Vulcões adormecidos, picos cobertos de neve, selvas, rios gelados, escorpiões, cobras, gatos selvagens, sede, dor e medo são apenas alguns dos desafios que enfrentam os atletas de trail running nas paisagens mais inóspitas do mundo.
A Jungle Marathon decorre na densa floresta tropical do Brasil – habitat de anacondas, jaguares e escorpiões. Na realidade, assemelha-se mais a treino de sobrevivência e é largamente considerada a prova de trail mais perigosa do mundo. Os atletas percorrem mais de 260 quilómetros em seis etapas através da floresta amazónica – atravessando vegetação quase impenetrável, onde o perigo se pode esconder atrás de cada árvore. Passam uma semana a lutar para atravessar pântanos, rios e a suportar temperaturas até 45ºC com humidade extrema, tudo enquanto carregam as provisões e o equipamento necessários para sete dias. A única coisa fornecida nos pequenos postos de controlo é água, e os atletas bebem até doze litros por dia. A prova é tão exigente que apenas alguns chegam à meta. Ainda assim, a organização já está a preparar um desafio ainda mais difícil chamado Fuga da Selva, que será lançado em 2020. É descrito da seguinte forma: “Após seis dias de treino de sobrevivência intenso no meio da selva, liderado pelos nossos instrutores das forças especiais, serão largados na selva profunda na escuridão com um mapa, uma bússola e um kit obrigatório, e terão seis dias para chegar à meta, fazendo uso das vossas capacidades, velocidade e navegação.” Durante o percurso, os participantes terão de encontrar água e comida, e de construir o seu próprio abrigo para passarem a noite. E a organização já está a receber as primeiras inscrições...
Passam uma semana a lutar para atravessar pântanos, rios e a suportar temperaturas até 45ºC com humidade extrema, tudo enquanto carregam as provisões e o equipamento necessários para sete dias.
Tor des Géants é a prova de trail ininterrupta mais longa do mundo. Os atletas têm 150 horas para percorrer 330 quilómetros, atravessar 25 portelas de montanha e conquistar uma altimetria de 24.000 metros. Ao contrário de outras provas, a organização não estipula etapas obrigatórias. A única regra é concluir a prova em 150 horas. Assim, em teoria, os atletas poderiam percorrer a distância toda de uma só vez sem parar. Na prática, a maioria corre durante o primeiro dia e noite sem pregar olho. E mesmo depois, a maioria dos atletas só dorme algumas horas em uma das sete bases de vida, onde também podem comer alguma coisa. O vencedor da edição de 2017, Javi Dominguez, dormiu apenas um total de 35 minutos e estabeleceu um recorde com o seu tempo de 67 horas, 52 minutos e 15 segundos. “Quando atravessei a meta, detestei a prova”, diz Dominguez. “Mas alguns dias depois mudei de ideias e apercebi-me de que tinha sido uma experiência verdadeiramente maravilhosa.” A Tor des Géants não é apenas uma das provas de trail mais difíceis do mundo, mas é também uma das mais bonitas. Atravessa o Vale de Aosta em Itália, com início e fim no pequeno resort de Courmayeur no coração dos Alpes Italianos. A partir daí, os atletas correm à sombra das montanhas mais altas dos Alpes – Mont Blanc, Gran Paradiso, Monte Rosa e Matterhorn – e através do parque natural de Mont Avic. O percurso segue por trilhos de terra estreitos e encostas de cascalho, pastos alpinos verdejantes e glaciares cobertos de neve.
A Ultra-Trail du Mont Blanc consiste numa distância de 170 quilómetros, uma altimetria de 10.000 metros e um tempo limite de 46,5 horas. É o equivalente a quatro maratonas e uma escadaria de cerca de 53.000 degraus. Mesmo em condições normais, esta prova seria o ideal para atletas calejados. Mas esta prova parte do resort francês de Chamonix, dá a volta a Mont Blanc, nada mais, nada menos, do que a montanha mais alta dos Alpes, e inclui subidas aos pontos mais elevados: Croix du Bonhomme (2.433 metros), Col de la Seigne (2.516 metros) e Col des Pyramides Calcaires (2.565 metros). Ao longo do percurso, os atletas atravessam 19 aldeias diferentes em França, Itália e Suíça. Para poupar tempo, a maioria dos participantes passa as noites ao relento no trilho. Se dormirem, são apenas umas horas num dos postos de apoio ou ao longo do percurso. Depois, lutam para continuar, com apenas uma lanterna de cabeça para iluminar o caminho enquanto correm durante a noite, no meio do nevoeiro, da chuva, do vento e da neve, que são presença frequente no cimo das montanhas. No ano passado, Xavier Thévenard, de França, concluiu a UTMB em 20 horas, 44 minutos e 16 segundos.
Para poupar tempo, a maioria dos participantes passa as noites ao relento no trilho. Se dormirem, são apenas umas horas num dos postos de apoio ou ao longo do percurso.
La Ultra 333 tem um lema: “Falhar não é crime, falta de esforço é.” Conhecida como “The High”, a prova faz jus ao seu epíteto: O percurso de 333 quilómetros atravessa os Himalaias, a cadeia montanhosa mais alta do mundo, onde, obviamente, se encontra o Monte Everest. Os participantes têm 72 horas para chegar à meta, depois de atravessarem bem-sucedidamente não uma, nem duas, mas três portelas a 5.000 metros. O percurso pode ser perigoso. O segundo posto de controlo já se encontra 4.700 metros acima do nível do mar. A falta de oxigénio é um problema a esta altitude e muitos atletas sofrem de doença de altitude, sendo obrigados a desistir antes de chegarem à primeira das três portelas. É por esta razão que a organização recomenda que os atletas cheguem ao acampamento base duas semanas antes para se habituarem. Além disso, as condições meteorológicas são extremas. Ladakh, onde se realiza a prova, é uma das regiões mais secas do planeta – um deserto a elevada altitude no norte da Índia, aproximadamente do tamanho da Escócia. Depois de os atletas atravessarem a primeira portela, Khardung La, a cerca de 5.400 metros, correm com temperaturas abrasadoras de 40ºC em direção à segunda portela, Wari La, a 5.300 metros. Aqui as temperaturas podem chegar a -10ºC, ou pior, no espaço de algumas horas. Taglang La, a última portela, está a 5.350 metros. Desde que o percurso passou a ter 333 quilómetros, em 2014, só 16 atletas conseguiram concluir a prova. Em 2016, não um, mas dois participantes bateram um recorde: Jovica Spajić da Sérvia e Grant Maughan da Austrália atravessaram a meta juntos ao fim de 60 horas, 37 minutos e 58 segundos.
A travessia dos Alpes da Alemanha para Itália realizada por Aníbal – com a ajuda de elefantes – foi considerada um golpe de mestre do ponto de vista tático e logístico. Em 218 a.C., quando o General cartaginês e os seus soldados fizeram a travessia, não existiam caminhos nem albergues nas montanhas. Ao longo dos séculos, a travessia dos Alpes tornou-se num desafio quase mítico, ainda mais depois de Goethe ter atravessado a portela de Brenner para o norte de Itália, há mais de 200 anos. Os atletas que participam nesta prova transalpina seguem os passos destas figuras históricas, atravessando os Alpes em sete etapas e passando por três países ao longo do percurso. A prova começa em Garmisch-Partenkirchen na Baviera, na Alemanha e termina 260 quilómetros depois em Brixen no Tirol do Sul, em Itália. Uma das caraterísticas especiais é os atletas participarem aos pares – e por uma boa razão: o percurso, com um acumulado de 15.000 metros, atravessa montanhas cobertas de neve, encostas de cascalho, havendo frequentemente um sério risco de queda. Por razões de segurança, os membros de cada equipa têm de estar a 20 segundos um do outro, levar provisões de emergência e roupa impermeável. Desde que a primeira prova foi realizada em 2005, o percurso tem alternado todos os anos entre a rota este e oeste através dos Alpes. E enquanto Aníbal demorou 16 dias a atravessar as montanhas há mais de 2.000 anos, os vencedores da edição de 2018 demoraram 28 horas, 46 minutos e 38,5 segundos.
Enquanto Aníbal demorou 16 dias a atravessar as montanhas há mais de 2.000 anos, os vencedores da edição de 2018 demoraram 28 horas, 46 minutos e 38,5 segundos.
The Grand Raid de la Réunion é uma prova de trail que atravessa paisagens desoladas de rocha vulcânica, floresta tropical densa, escarpas verticais e algumas aldeias remotas, antes de mergulhar na selva impenetrável. Decorre todos os anos na ilha da Reunião, um território francês no Oceano Índico. A paisagem ao longo do percurso muda constantemente. Depois de vencerem a selva, escalarem um vulcão e atravessarem um deserto arenoso, de repente, os atletas deparam-se com pastos verdes com gado a pastar à sua volta. E se a prova também é chamada Diagonale des Fous (Diagonal dos Loucos) é por uma boa razão, uma vez que inclui 162 quilómetros através do Piton de la Fournaise, um vulcão com 2.632 metros. Este é um dos vulcões mais ativos do mundo com erupções, em média, a cada 18 meses. Para sobreviver a esta prova é preciso ser um bom alpinista, pois a maioria do percurso requer subir e descer montanhas – com uma altimetria total de 9.700 metros. Logo no início, no sopé do vulcão, os atletas têm de conquistar uma altimetria de 1.400 metros em apenas cinco quilómetros. É uma subida íngreme através da floresta tropical com piso lamacento, raízes escorregadias e árvores caídas ao longo do percurso. Depois de os atletas chegarem a Piton des Neiges, a montanha mais alta da ilha a 3.070 metros, o percurso volta a descer acentuadamente montanha abaixo.
Nevascas profundas, ventos gelados, branco interminável. A Yukon Arctic Ultra é sem dúvida a prova de trail mais fria do mundo e todos os anos em fevereiro parte de Whitehorse, no Canadá. A prova segue o percurso da famosa Yukon Quest, a corrida de trenós puxados por cães mais exigente do mundo, através do território selvagem e invernoso de Yukon. Existem três categorias: 161 quilómetros, 483 quilómetros e 692 quilómetros. Apenas os atletas mais resistentes acabam a última categoria – a prova ultra de Whitehorse até Dawson City, onde o rio Klondike aflui ao Yukon. O território de Yukon, perto do Círculo Polar Ártico, é uma região maior do que a Califórnia, mas com apenas 38.000 habitantes, sendo o local ideal para experienciar a solidão da corrida de resistência. Além de enfrentarem temperaturas de até -40ºC e ventos gelados, os participantes têm de se orientar na escuridão. Mais de metade das cerca de 20 horas que passam a correr por dia da prova são na escuridão. “Andar por ali naquele território sempre em movimento muda-nos,” diz o organizador Robert Pollhammer. “O frio dissipa a neblina da nossa alma e conseguimos ver com mais clareza.” As regras estipulam que os atletas têm de concluir a prova sem ajuda externa e apenas com o seu equipamento, que levam no trenó que vão a puxar. Muitos não conseguem aguentar o frio glacial e é frequente apenas metade dos cerca de 100 participantes atravessar a meta. É habitual haver lesões e úlceras de frio.
A Hardrock Endurance Run realizou-se pela primeira vez em 1992 e é considerada uma das provas de trail mais difíceis da América do Norte. Foi originariamente criada para homenagear as pessoas que trabalhavam nestas montanhas despidas e remotas e que arriscavam a sua vida diariamente nas minas. A determinada altura, deixou de haver mineração na região e para trás ficaram vilas abandonadas – e a Endurance Run. A prova ainda passa por vilas fantasma, como Sherman no Colorado. No percurso através das montanhas de San Juan e uma parte das montanhas Rochosas, os atletas têm de conquistar uma altimetria de 10.000 metros e atravessar 13 portelas de montanha. O percurso é tão remoto que muitos dos postos de apoio só são acessíveis a pé e os voluntários que dão apoio têm de fazer várias viagens para colocar as provisões à disposição dos atletas. Além disso, as condições meteorológicas podem ser imprevisíveis e a prova já teve de ser cancelada duas vezes devido ao mau tempo. Uma vez, o percurso ficou obstruído pela forte queda de neve e, noutra ocasião, uma onda de calor extremo provocou um incêndio florestal extenso. A prova muda de direção todos os anos.
As condições meteorológicas podem ser imprevisíveis e a prova já teve de ser cancelada duas vezes devido ao mau tempo. Uma vez, o percurso ficou obstruído pela forte queda de neve e, noutra ocasião, uma onda de calor extremo provocou um incêndio florestal extenso.
Foi o escritor britânico John Gillham que se apercebeu de que os penhascos e os cumes rochosos das montanhas de Glyderau no País de Gales pareciam a espinha sinuosa de um dragão gigante, ao longo de toda a extensão do país de norte a sul. E foram as descrições de Gillham que inspiraram o atleta Ian Waddell a criar a prova Dragon’s Back Race. Aqui, os atletas enfrentam cumes acidentados, atravessam vales pantanosos e conquistam uma altimetria de 16.000 metros ao longo de uma distância de 300 quilómetros em algumas das paisagens mais selvagens do País de Gales. Durante cinco dias, percorrem a estreita espinha do dragão, que está frequentemente envolta num nevoeiro tão denso que não conseguem ver um palmo à frente do nariz. Além disso, o percurso inclui descidas em encostas íngremes de cascalho e a travessia de rios gelados. A primeira prova foi realizada em 1992 – e durante bastante tempo parecia que seria também a última. A prova ao longo das costas do dragão era considerada demasiado perigosa e só foi repetida 20 anos mais tarde. Agora a Dragon's Back Race está de volta e é uma prova regular.
A Zugspitz Ultratrail é uma das provas de trail mais exigentes da Alemanha. Atletas de mais de 40 países enfrentam e contornam a Zugspitze, a montanha mais alta da Alemanha, através de paisagens rochosas e escarpadas. Os participantes podem escolher um dos cinco percursos disponíveis, desde o Basetrail que cobre uma distância de 25 quilómetros até ao Ultratrail, que percorre 102 quilómetros. Este último é o derradeiro desafio, com uma altimetria de 5.400 metros. Os atletas que escolhem este percurso não só contornam a Zugspitze, frequentemente em encostas cobertas de neve, como também contornam toda a cadeia montanhosa de Wetterstein. A partir do sopé da Waxenstein e da Zugspitze, sobem até à portela de Scharnitz a 2.048 metros, passam ao pé do lago Ferchensee e percorrem o Höllentalklamm, um desfiladeiro fundo com quedas de água, blocos de gelo e um labirinto de caminhos sinuosos, pontes e túneis. Se as condições meteorológicas forem más, o percurso torna-se uma sucessão de lama e cascalho. É só para corajosos.