# Corrida

Atletas femininas revolucionárias

Que mudaram a forma como as mulheres correm

Correr é algo quase universal. É um desporto e exercício físico que não requer equipamento especial, não precisa de bola, árbitro, treinador, nem equipa. Apenas requer um bom par de sapatilhas, o corpo e a mente. Apesar de o conceito de corrida ser simples, para as mulheres nem sempre foi fácil praticá-lo. Na realidade, a corrida de resistência era considerada pouco feminina e todos, desde médicos a professores e organizadores – até mesmo o Comité Olímpico Internacional – tentaram impedir as mulheres de participarem no desporto. Graças a mulheres que lutaram contra este absurdo, as corridas por diversão, as maratonas e até as grandes provas de resistência contam com uma participação diversificada e estão abertas basicamente a todos – independentemente da etnia, incapacidade, idade ou género. Saiba mais sobre as mulheres incríveis que despoletaram uma revolução transformadora e que continuam a mudar a forma como corremos hoje em dia.

Bobbi Gibb, a primeira mulher a acabar a maratona de Boston

A primeira mulher da história a acabar a Maratona de Boston, em 1966, não estava inscrita na prova pois a sua inscrição foi rejeitada – simplesmente porque não era um homem. Quando submeteu a sua inscrição, recebeu como resposta uma carta que dizia: “as mulheres não estão fisiologicamente preparadas para correr maratonas”. No entanto, na altura, Bobbi já corria mais de 60 quilómetros seguidos. O que foi razão suficiente para provar aos organizadores que estavam enganados em relação às mulheres.

Track & Field: Boston Marathon: USA Roberta Gibb in action during race. Bobbi Gibb runs without a bib as women were not allowed to officially race unitl 1972. 
Boston, MA 4/19/1967
CREDIT: Walter Iooss Jr. (Photo by Walter Iooss Jr. /Sports Illustrated via Getty Images/Getty Images)
(Set Number: X12351 TK1 R10 F20 ) Bobbi Gibb a correr a Maratona de Boston, em 1967. Sem o dorsal e como a primeira atleta feminina

No dia da maratona, Gibb escondeu-se nos arbustos perto da linha de partida, esperou que metade dos atletas passassem e depois juntou-se à prova. Ao aproximar-se da meta, as mulheres que assistiam começaram a saltar e a aplaudir, como forma de apoio. Gibb recorda: “em parte, o que eu queria fazer era mostrar que os homens e as mulheres podem fazer coisas juntos e queria mudar a forma como as pessoas veem as mulheres”.

Em parte, o que eu queria fazer era mostrar que os homens e as mulheres podem fazer coisas juntos e queria mudar a forma como as pessoas veem as mulheres.

Bobbi Gibb

 

Kathrine Switzer, a primeira mulher a participar na Maratona de Boston como atleta inscrita

Um ano depois de Bobbi Gibb participar na maratona sem estar inscrita, Kathrine Switzer foi a primeira mulher a correr na Maratona de Boston enquanto atleta inscrita. Contudo, isto aconteceu apenas porque foi confundida, erradamente, como sendo um homem.

Switzer conseguiu inscrever-se na prova pois tinha o hábito de assinar o seu nome como K.V. Switzer, em vez de Kathrine Virginia.  Como no dia da maratona estava imenso frio, Switzer vestiu um fato de treino cinzento – semelhante ao que os 740 homens que estavam a participar usavam. Só perto do marco das 3 milhas (cerca de 5 km depois do início) é que o diretor da prova, Jock Semple, se apercebeu de que havia uma mulher a participar com um dorsal oficial.

Iconic image of Kathrine Switzer being chased down by Jock Semple at the 1967 Boston Marathon

Semple foi atrás de Switzer e tentou arrancar-lhe o dorsal, enquanto gritava: “Desaparece da minha prova e dá cá esses números!”. Felizmente, o namorado de Switzer estava por perto e conseguiu empurrar Semple para fora do percurso. Apesar de ter ficado um pouco abalada com a situação, Switzer diz que “naquela altura, queria mostrar que as mulheres conseguem correr maratonas e acabar a corrida, e que merecem participar”. Switzer continuou a correr com o seu emblemático dorsal nº 261 e acabou a maratona.

The NYC Six (as seis de Nova Iorque), atletas femininas que protestaram contra a discriminação na maratona da cidade de Nova Iorque

Em 1972, seis atletas, Lynn Blackstone, Jane Muhrke, Liz Franceschini, Cathy Miller, Pat Barrett e Nina Kuscsik, inscreveram-se na Maratona da Cidade de Nova Iorque. Apesar de terem sido autorizadas a participar, a condição para a sua participação era arrancarem 10 minutos antes dos homens. Esta regra tinha sido criada pela União Atlética Amadora (AAU), a entidade reguladora das maratonas nos EUA, na altura.

Num ato de desobediência contra a regra discriminatória, as seis mulheres sentaram-se assim que se ouviu o disparo que assinalava a sua partida e levantaram cartazes de protesto: “Ei, AAU. Estamos em 1972. Acordem.”, 10 minutos depois levantaram-se e arrancaram com os homens quando o segundo disparo se ouviu.

FILE -- Six women sit to protest an attempt to separate them from the male runners at the New York City Marathon, Oct. 1, 1972. Women had been banned from road races since 1961 but for years had made their way into the field, surreptitiously or otherwise. Told to start 10 minutes before the men, here the six women waited 10 minutes then began running. (Patrick A. Burns/The New York Times) Lynn Blackstone, Jane Muhrke, Liz Franceschini, Cathy Miller, Pat Barrett e Nina Kuscsik
Atletas femininas a participarem na Maratona da Cidade de Nova Iorque de 2019 Atletas femininas a participarem na Maratona da Cidade de Nova Iorque de 2019

Graças a mulheres contestatárias como as NYC Six, o desporto tornou-se menos tendencioso com base no género – e mais inclusivo no geral, como mostram atualmente as inscrições na maratona…

Turia Pitt, a maratonista sobrevivente

Atualmente, as mulheres continuam a redefinir a corrida. Turia Pitt é uma delas. Em setembro de 2011, Pitt estava a participar na ultramaratona de 100 km no interior da Austrália quando foi surpreendida por um incêndio. Pitt ficou com queimaduras em 65% do corpo e os médicos não estavam à espera que ela sobrevivesse. Perdeu sete dedos, passou seis meses no hospital, aguentou 200 cirurgias e demorou dois anos a recuperar.

KUMARA, NEW ZEALAND - FEBRUARY 07: Burns survivor Turia Pitt poses during a media opportunity prior to the 2019 Kathmandu Coast to Coast on February 07, 2019 in Kumara, New Zealand. (Photo by Kai Schwoerer/Getty Images) Atleta do Ironman Turia Pitt atualmente

Contra todas as expectativas, Pitt conseguiu reconstruir a sua vida. Em maio de 2016, conseguiu acabar o seu primeiro Ironman e cinco meses depois competiu no Campeonato Mundial de Ironman no Havai! Apesar de tudo o que Pitt passou, ela provou a si mesma e ao mundo que é possível atingir novos auges, mesmo depois de sofrer uma experiência traumática e debilitante. Ainda que tenha sido precisa muita paciência, caminhada e, só depois, corrida... ela conseguiu!

Rahaf Khatib; a maratonista de véu

Outra atleta a revolucionar a forma como as mulheres correm é Rahaf Khatib, uma maratonista de alta competição e embaixadora da adidas. Também é a primeira mulher síria a acabar seis maratonas mundiais, e com mais 11 maratonas e dois triatlos no seu currículo, é uma verdadeira campeã da corrida! O que é que a torna diferente de outras maratonistas? O facto de não deixar a sua religião interferir na sua paixão por corrida.

Para Khatib, correr com o seu véu é algo natural, mas para os outros o seu significado é gigantesco: “Quando vou correr e encontro pessoas, apercebo-me da profunda posição que estou a tomar. Estou a tomar uma posição sem sequer abrir a boca, basta estar na linha de partida”. Khatib sente que é isso que tem de fazer pelas outras mulheres muçulmanas, sobretudo para combater estereótipos negativos. Assim, ela está não só a criar a mudança necessária, mas também a abrir caminho para outras mulheres que querem sair, caminhar, correr e perseguir os seus sonhos.

Three women running in front of a warehouse. Em todo o mundo há mulheres que gostam de correr
Estou a tomar uma posição sem sequer abrir a boca, basta estar na linha de partida.

Rahaf Khatib

 

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